Hipersensibilidade auditiva na infância: quando ouvir se torna um desconforto
Muitas vezes mal compreendidas, a misofonia e hiperacusia podem gerar uma série de sintomas e impactar gravemente na qualidade de vida.
Todo mundo tem aquele barulho que incomoda. Pode ser o som de giz na lousa, de alguém arranhando um papel ou de bater de dentes. Agora, e quando esse tipo de estímulo se torna um problema real, a ponto de incapacitar o trabalho e afetar a qualidade de vida de uma pessoa? Isso é uma doença do asistema auditivo que tem nome: Misofonia, também conhecida por Síndrome da Sensibilidade Seletiva a Sons (4S).
A misofonia causa intenso incômodo ao ouvir sons de volume baixo e repetitivos, como a mastigação, o engolir, o mascar chiclete, o tossir ou pigarrear, o estalar os lábios, e o clique de uma caneta. A misofonia está diretamente relacionada ao significado do som. Ou seja, uma pessoa pode apresentar hipersensibilidade a miados de gatos ao longe, mas não se irritar com música alta ou com o barulho de uma obra no vizinho.
A condição pode causar forte reação emocional negativa, incontrolável e desproporcional às situações de exposição aos sons, gerando sentimentos como a raiva, o ódio, a irritabilidade e até pânico. Taquicardia, palpitação, sudorese e mal-estar também podem ser associados. Em geral, os sintomas da doença costumam a aparecer na infância - em 90% dos casos - e tendem a estabilizar ou a agravar com o tempo. A falta de tratamento adequado pode ocasionar uma piora gradativa, fazendo com que a pessoa passe a sentir sensibilidade a um número cada vez maior de sons que considera irritantes.
Todos nós somos expostos a uma quantidade imensa de ruídos que não controlamos diariamente. Basta uma volta na rua ou mesmo dentro de casa para perceber que é impossível manter-se longe de qualquer som. A vida moderna potencializou o número de estímulos sonoros: smartphones, brinquedos barulhentos, computadores, aparelhos de música, videogames, trânsito, shoppings, concertos, festivais e baladas. Todas essas invenções modernas ajudaram muito a aumentar a taxa de exposição de ruídos e potencializou outro problema: a Hiperacusia.
Uma espécie de “prima-irmã” da misofonia, a hiperacusia causa uma sensibilidade anormal a sons de intensidade baixa ou moderada. É como se seus ouvidos achassem que o botão de volume do mundo está sempre no máximo.
Trata-se de uma condição ainda pouco estudada. Na maioria dos casos, ela é causada pelo excesso de ruído, o qual provoca um dano no nervo auditivo, que perde a capacidade de lidar com o barulho. As pessoas com esta condição ouvem tudo muito mais alto. Por causa disso, sentem uma dor nos ouvidos, que, dependendo da intensidade do barulho, pode persistir por dias e ainda provocar zumbidos crônicos que vão aumentando com o dia-a-dia. Já é sabido que 25 a 40% dos pacientes com zumbido apresentam hiperacusia.
Outro problema que os portadores destas condições enfrentam é a falta de informação e empatia. Muitas pessoas simplesmente não entendem os motivos que desencadeiam as crises. Alguns acham “frescura” ou associam com algum tipo de distúrbio psiquiátrico. Muitos médicos, inclusive, possuem dificuldade em identificar o problema e encaminhar para o melhor tratamento. Esses pacientes têm grande restrição da vida familiar, social e profissional, o que leva ao isolamento, tanto pelos sons como pela falta de compreensão dos familiares e amigos.
Por isso a importância dos exames realizados por fonoaudiólogo para diagnosticar o problema. No caso das pessoas que possuem intolerância ao volume dos sons (e menos ao tipo de som) aplicamos o teste do limiar do desconforto (UCL), um exame complementar à audiometria para estimar qual o volume que os sons começam a incomodar cada pessoa. Nos casos em que o paciente pode conviver com esses sons desde que dentro de uma faixa restrita de volume, então teremos um diagnóstico de hiperacusia.
Quando o paciente não consegue conviver com os sons que o incomodam enquanto eles estiverem presentes e isso não tem relação com o volume, estamos falando de misofonia. Neste caso, ao aplicar o exame UCL os resultados costumam ser normais. Em muitos casos, as pessoas podem apresentar uma mistura de ambos os tipos de hipersensibilidade.
Lidando com a Misofonia e a Hiperacusia
Apesar dos avanços e estudos na área, infelizmente a misofonia e hiperacusia ainda não tem cura, mas há sim tratamento. Assim como no zumbido o mais indicado é a terapia sonora. Algumas técnicas já existentes podem ser úteis, ainda que não sejam eficazes para todos os pacientes. “É preciso uma análise geral dos sintomas, entender a queixa do paciente e interpretar os dados de vários exames para indicar o melhor caminho para o tratamento. Há muitas opções que podem ajudar a controlar a doença. Também é essencial acompanhamento multidisciplinar nestes casos.” – explica a fonoaudióloga Andrea Soares.
Apesar de parecer lógico, o tratamento com uso de protetores auditivos é contraindicado, por poder inclusive agravar o problema. Combinar o treinamento auditivo e o uso de gerador de som é o protocolo para o tratamento de hiperacusia. Com o treinamento o paciente vai sendo exposto gradualmente aos sons aos quais tem intolerância e com o gerador de som o fonoaudiólogo controla essa exposição e acompanha a melhora.
Prescritos por médicos, alguns medicamentos podem ajudar, como os utilizados para zumbido. Outras opções de tratamento para misofonia e hiperacusia são a terapia cognitiva comportamental, o neurofeedback (técnica utilizada para treinar o cérebro) e a meditação. Elas ajudam o paciente a lidar melhor com a condição e a controlar a misofonia assim como o zumbido.
Agora que você já sabe que aquele mal estar que sente quando ouve determinados sons não é “frescura“, procure um médico ou fonoaudiólogo e busque ajuda especializada.