Saiba como a genética impacta a saúde auditiva e como ela já revoluciona o diagnóstico e o tratamento da perda auditiva, abrindo caminho para cuidados auditivos mais precisos, preventivos e personalizados.
A saúde auditiva está passando por uma revolução silenciosa, impulsionada pelos avanços da genética. Enquanto métodos tradicionais de diagnóstico e tratamento continuam essenciais, os avanços na genética estão abrindo portas para uma medicina mais personalizada e preventiva, especialmente no campo da audição. Cada vez mais, pesquisas demonstram que os genes desempenham um papel crucial na saúde auditiva, influenciando desde a predisposição à perda de audição até a escolha de tratamentos. Mas, afinal, como a genética afeta a audição? É possível mapear e prevenir esses problemas? E quais os impactos reais dessa descoberta para pacientes e profissionais da área?
A perda auditiva congênita é o distúrbio sensorial mais frequente em recém-nascidos, com 2 a 3 casos a cada 1.000 nascimentos.
A perda auditiva de origem genética é mais comum do que se imagina, especialmente entre crianças, e pode ser difícil de ser diagnosticada nos primeiros meses de vida. Estima-se que mais de 50% dos casos de perda auditiva em crianças tenham origem genética, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o que ressalta a importância de integrar conhecimentos genéticos aos cuidados com a saúde auditiva desde o nascimento. Desses, aproximadamente
70% são não sindrômicos, ou seja, são casos em que a condição ocorre isoladamente, sem estar associada a outras alterações clínicas ou síndromes. No caso de perda auditiva, existem mais de 140 genes identificados como relacionados à condição.
O ouvido humano é uma estrutura complexa, e seu funcionamento depende de uma série de processos biológicos controlados por genes. Quando ocorrem mutações em genes essenciais para a audição, podem surgir desde perdas leves até surdez profunda. Entre as causas genéticas, destacam-se mutações em genes como o OTOF, responsável pela produção da proteína otoferlina, essencial para a transmissão do som no ouvido interno. Alterações nesse gene podem levar à surdez neurossensorial congênita, um tipo de perda auditiva que afeta a capacidade de ouvir desde o nascimento. Essas mutações representam um dos principais desafios para a saúde auditiva infantil.
Um estudo publicado na Nature Genetics (2020) identificou mais de 120 genes associados à surdez, muitos deles responsáveis pelo desenvolvimento e funcionamento das células ciliadas do ouvido interno, fundamentais para a captação de sons.
Tipos de perda auditiva genética
A relação entre genética e perda auditiva é complexa e multifatorial. Diferentes mutações genéticas podem levar a formas distintas de comprometimento da audição, variando desde casos congênitos até condições progressivas ou associadas a síndromes mais amplas.
A surdez congênita, presente desde o nascimento, é frequentemente causada por mutações em genes essenciais para o desenvolvimento do sistema auditivo. Um dos exemplos mais bem estudados é o gene GJB2, que codifica a proteína conexina 26, crucial para a comunicação entre as células da cóclea. Quando esse gene sofre mutações, a transmissão de sinais sonoros é prejudicada, levando a uma perda auditiva neurossensorial, normalmente de grau severo ou profundo nas duas orelhas.
Diferentemente da surdez congênita, algumas formas de perda auditiva genética se desenvolvem gradualmente ao longo da vida. Esses casos costumam ser mais difíceis de detectar precocemente, pois a audição pode ser normal no nascimento e só começar a deteriorar na infância, adolescência ou mesmo na vida adulta. É o que chamamos de perda auditiva de início tardio, que progride lentamente, por isso, o acompanhamento regular com exames audiométricos é fundamental para monitorar a evolução da doença.
Existem ainda alguns casos de síndromes genéticas, que afetam outras funções do organismo e que podem incluir impactos na audição. Um exemplo é a Síndrome de Usher. Considerada a principal causa de surdo-cegueira hereditária, a Síndrome de Usher é dividida em três tipos, sendo o tipo 1 o mais grave. Bebês com essa condição nascem com surdez profunda e desenvolvem problemas de equilíbrio devido a malformações no sistema vestibular. Já na adolescência, começam a perder a visão devido à retinose pigmentar, uma degeneração progressiva da retina.
Diagnóstico: Exames e Mapeamento Genético
Embora nem toda deficiência auditiva tenha origem genética, alguns sintomas podem sugerir uma predisposição hereditária. Um dos principais indicadores é o histórico familiar de surdez ou perda auditiva precoce em parentes próximos. Em bebês, a ausência de reação a sons altos ou o atraso no balbucio por volta dos seis meses de idade podem ser os primeiros sinais de alerta, mesmo tendo passado na triagem auditiva neonatal. Em outros casos, a perda auditiva pode se manifestar desde o nascimento, seja de forma unilateral (em apenas um ouvido) ou bilateral (em ambos), ou ainda desenvolver-se gradualmente, piorando com o tempo. Sintomas associados, como zumbido crônico ou dificuldades de equilíbrio, também merecem atenção.
Diante desses sinais, uma investigação especializada, incluindo avaliação genética, torna-se essencial para um diagnóstico preciso e intervenção precoce.
O diagnóstico precoce é crucial para o manejo eficaz da perda auditiva e a preservação da saúde auditiva ao longo da vida. Além dos testes auditivos convencionais, como emissões otoacústicas (EOA) e potenciais evocados auditivos do tronco encefálico (ABR), o mapeamento genético tem se tornado uma ferramenta valiosa. Testes genéticos podem identificar mutações específicas responsáveis pela perda auditiva, permitindo um diagnóstico mais preciso e auxiliando na escolha do tratamento adequado
Ainda que nem todas as formas de perda auditiva genética possam ser prevenidas, a identificação de mutações em genes específicos possibilita aconselhamento genético para famílias, permitindo decisões informadas sobre planejamento familiar. Além disso, a detecção precoce por meio de triagens neonatais e testes genéticos possibilita intervenções imediatas, como o uso de aparelhos auditivos ou implantes cocleares, otimizando o desenvolvimento da linguagem e habilidades sociais da criança. Os impactos da perda auditiva genética vão desde dificuldades na percepção da fala até a incapacidade de localizar a fonte sonora, o que compromete a comunicação e a realização de tarefas diárias.
Diagnóstico genético e tratamento
A medicina genética está revolucionando o diagnóstico das perdas auditivas, complementando os métodos tradicionais com informações mais profundas sobre as causas moleculares dos distúrbios. Enquanto a audiometria e as emissões otoacústicas avaliam a capacidade funcional do sistema auditivo, os testes genéticos vão além, identificando as mutações específicas responsáveis pela deficiência. Essa abordagem dupla permite não apenas quantificar o grau de perda auditiva, mas principalmente entender sua origem e prognóstico, o que é fundamental para orientar o tratamento mais adequado para cada paciente. Estudos do National Institute on Deafness and Other Communication Disorders comprovam que essa estratégia combinada pode reduzir em até 70% o tempo necessário para um diagnóstico preciso.
Assim como é possível avaliar a audição ainda na maternidade com o teste da orelhinha, hoje já é possível realizar um rastreio genético com o teste da bochechinha. Neste teste, dois dos principais genes relacionados a perda auditiva são avaliados: Gene GJB2 e GJB6. Há ainda o painel genético NSG que avalia 254 genes, entre eles o OTOF, GJB2, GJB6 e SLC12A6 relacionados a surdez hereditária. Alguns países já incorporaram a análise genética ao teste do pezinho ampliado, permitindo a identificação precoce de mutações ligadas à surdez mesmo antes do aparecimento dos sintomas. Esses avanços são particularmente valiosos para famílias com histórico de perda auditiva, pois possibilitam o aconselhamento genético e intervenções precoces que podem preservar a audição residual ou mesmo prevenir a progressão do quadro.
Em termos de tratamento disponíveis, o manejo das perdas auditivas genéticas ainda se baseia principalmente em estratégias de reabilitação, como o uso de aparelhos auditivos e implantes cocleares, combinados com terapia fonoaudiológica para desenvolver habilidades de comunicação. No entanto, o horizonte terapêutico está se expandindo rapidamente com o desenvolvimento de técnicas inovadoras como as terapias gênicas específicas. Já existem dois estudos iniciais com resultados confiáveis e recuperação da perda auditiva relacionada ao gene OTOF em humanos e outros relacionados ao gene GJB2 em estudos com animais. Embora ainda em fase experimental, esses tratamentos representam uma esperança concreta para que, no futuro próximo, possamos corrigir as causas moleculares da perda auditiva em vez de apenas lidar com suas consequências funcionais.
À medida que os custos dos testes genéticos diminuem e as pesquisas avançam, a integração entre genética e audiologia se tornará inevitável. Para os profissionais da área, isso significa atualização constante. Para os pacientes, esperança de tratamentos mais eficazes. É fundamental que pais, educadores e profissionais de saúde estejam atentos aos sintomas de perda auditiva e sempre busquem diagnosticar o problema com rapidez, o que evita maiores prejuízos no desenvolvimento infantil e garante saúde e qualidade de vida para pacientes de todas as idades. Manter a saúde auditiva em todas as fases da vida exige atenção constante, especialmente diante de fatores genéticos. Por isso, o acompanhamento fonoaudiológico é essencial, para checar a saúde auditiva e permitir que possamos desfrutar de uma boa saúde.