Em média 1 em cada 5 recém-nascidos com icterícia pode apresentar alterações no sistema auditivo auditivo. Entenda a conexão com a perda auditiva, os tratamentos possíveis e as principais medidas de prevenção.
A icterícia neonatal é caracterizada pela coloração amarelada da pele e dos olhos devido ao acúmulo de bilirrubina no sangue e é uma condição comum em recém-nascidos, afetando cerca de 60% dos bebês a termo e até 80% dos prematuros, segundo a American Academy of Pediatrics (AAP). Embora na maioria dos casos seja transitória e inofensiva, níveis excessivos de bilirrubina não tratados podem levar a complicações neurológicas graves, incluindo perda auditiva. Este artigo explora a relação entre icterícia neonatal e alterações auditivas, abordando sintomas, diagnóstico, tratamento e os riscos associados.
Como a icterícia pode afetar a audição?
A icterícia neonatal ocorre quando há um excesso de bilirrubina no sangue do recém-nascido. A bilirrubina é um pigmento amarelo produzido durante a degradação normal dos glóbulos vermelhos. Em recém-nascidos, especialmente prematuros, o fígado ainda imaturo pode não ser capaz de processar a bilirrubina de forma eficiente, levando ao seu acúmulo.
A bilirrubina é uma substância neurotóxica que, em concentrações muito altas, pode atravessar a barreira hematoencefálica e depositar-se em áreas do cérebro, partes do sistema auditivo, como o núcleo coclear e o corpo geniculado medial. Quando isso acontece, o bebê pode desenvolver neuropatia auditiva/dessincronia auditiva, uma condição em que os exames de emissões otoacústicas (utilizadas no teste da orelhinha) podem ser normais, mas o bebê não responde adequadamente aos sons. Essa condição é particularmente preocupante porque pode passar despercebida nos primeiros meses de vida, atrasando o diagnóstico e a intervenção.
Estudos como os de Shapiro & Riordan (2020) e Leitão et al. (2019) demonstram que a hiperbilirrubinemia severa (>20 mg/dL) está associada a depósitos de bilirrubina no tronco cerebral, aumentando o risco de neuropatia auditiva.
Segundo uma pesquisa publicada no PMC, recém-nascidos com níveis de bilirrubina acima de 20 mg/dL têm um risco significativamente maior de desenvolver alterações auditivas. Outro estudo da Universidade de São Paulo (USP) reforça que a exposição prolongada à bilirrubina elevada pode causar lesões permanentes nas vias auditivas, levando a perda neurossensorial ou dificuldades no processamento auditivo central.
Sintomas e Diagnóstico
O teste da orelhinha, obrigatório no Brasil, é eficaz para detectar problemas na cóclea, mas não identifica a neuropatia auditiva. O teste da orelhinha visa detectar precocemente perdas auditivas congênitas. Em casos de icterícia grave, mesmo que o teste inicial seja normal, recomenda-se acompanhamento auditivo contínuo
Por isso, bebês que tiveram icterícia grave devem passar também pelo PEATE (Potencial Evocado Auditivo do Tronco Encefálico), que avalia a transmissão do som pelo nervo auditivo até o cérebro. Um relatório do
Pediatric Malpractice Guide alerta que muitos casos de perda auditiva relacionada à icterícia só são diagnosticados tardiamente, quando a criança já apresenta atraso na fala.
Os principais sinais de icterícia incluem:
- Coloração amarelada da pele e dos olhos
- Letargia ou sonolência excessiva
- Dificuldade para se alimentar
- Urina escura e fezes claras
O diagnóstico é realizado por médicos, por meio de avaliação clínica e exames laboratoriais que medem os níveis de bilirrubina no sangue. Em alguns casos, utiliza-se o bilirrubinômetro transcutâneo, um dispositivo não invasivo que estima os níveis de bilirrubina através da pele.
Tratamento da icterícia e prevenção de danos auditivos
Quando não tratada adequadamente, a icterícia pode evoluir para uma condição chamada “kernicterus”, uma forma de encefalopatia bilirrubínica. Essa condição ocorre quando a bilirrubina atravessa a barreira hematoencefálica e se deposita no cérebro, causando danos neurológicos permanentes. As sequelas podem incluir paralisia cerebral, distúrbios motores e perda auditiva neurossensorial.
O tratamento imediato da icterícia é a melhor forma de prevenir complicações. A fototerapia (exposição a luzes azuis especiais) é o método mais usado para reduzir os níveis de bilirrubina. Em casos extremos, pode ser necessária uma exsanguineotransfusão, procedimento que substitui o sangue do bebê para remover o excesso de bilirrubina rapidamente.
Se houver suspeita de perda auditiva, o acompanhamento com um fonoaudiólogo é essencial. Quanto mais cedo a intervenção começar, melhores serão os resultados no desenvolvimento da linguagem.
A atuação do fonoaudiólogo é crucial no acompanhamento de bebês que apresentaram icterícia significativa. Além de realizar avaliações auditivas periódicas, o profissional pode orientar os pais sobre sinais de alerta para possíveis atrasos no desenvolvimento da linguagem e indicar intervenções precoces quando necessário.
Além do acompanhamento médico, os pais devem observar se o bebê:
- Não reage a sons altos ou vozes familiares.
- Não acorda com barulhos intensos.
- Demora a balbuciar ou não desenvolve a fala conforme o esperado.
A icterícia neonatal, quando bem monitorada, raramente causa problemas graves. No entanto, quando negligenciada, pode deixar sequelas permanentes. Por isso, é fundamental realizar os exames auditivos complementares em bebês que apresentaram hiperbilirrubinemia.
Em geral, os bebês diagnosticados e tratados antes dos 6 meses têm desenvolvimento de linguagem próximo ao de crianças ouvintes. Isso ocorre, pois a neuroplasticidade cerebral é maior nos primeiros anos de vida, facilitando o correto desenvolvimento infantil.
A icterícia neonatal, embora comum e geralmente benigna, pode levar a complicações sérias se não for adequadamente monitorada e tratada. A perda auditiva é uma das possíveis sequelas, com impacto significativo na vida da criança. Se seu bebê teve icterícia neonatal grave ou apresenta sinais de alerta, não espere! Procure um fonoaudiólogo para avaliação detalhada. Quanto antes for iniciado o tratamento, melhores serão os resultados no desenvolvimento da fala e da comunicação.
Avaliação audiológica do bebê
A avaliação audiológica infantil devem sempre considerar o princípio do cross-check, ou seja, incluir mais de um exame que possam ser analisados de forma cruzada para auxiliar no diagnóstico audiológico.
Para realizar o PEATE/BERA da forma mais adequada é indicado que no mesmo dia seja realizada imitanciometria, a fim de verificar se não há presença de secreção na orelha média que possa interferir no resultado do exame.
A avaliação com Emissões Otoacústicas, com protocolo diagnóstico, é indicada em casos de suspeita de neuropatia auditiva, de forma que os resultados possam ser analisados juntamente com os do Potencial Evocado Auditivo de Tronco Cerebral, permitindo assim o correto diagnóstico audiológico.